terça-feira, 26 de maio de 2015

Mea Virtual Culpa

 O homem caminha sem notar para uma armadilha. Não, o homem não caminha. A armadilha é virtual. O homem moderno não vai ao trabalho e chega e veste a roupa de trabalho e trabalha e sua e cansa e volta e toma banho e descansa. O homem moderno vai ao trabalho e senta e fica e fica e fica, e fica. Com vírgula para o cafezinho.
 Sou um homem moderno. Engordo diariamente olhando para a tela do computador, usando nada além do que os dedos dessa minha complexa formação física, cheia de músculos ,tendões, circulação sanguínea e juntas. Se a energia é interrompida, ou o computador trava, travam-me os braços.
 Neste exato momento em que escrevo esta crônica - obrigação semanal que me impus porque preciso de regras, mesmo que seja para quebrá-las -, estou sem conexão com a internet e não posso nem sequer visitar a wikipedia para tornar o texto mais interessante. Meu cérebro só reclama da lentidão da conexão da rede mundial de computadores. Como ando dependete da tecnologia! Como caminho para essa terrível armadilha!
 Ouvi dizer que, em alguns anos, o ser humano desenvolverá mais os dedos das mãos, a cabeça e a bunda por conta da evolução natural. Quanto ao cérebro, as crianças já nascem com algumas alterações. Se repararmos bem, são rápidas de raciocínio e absorvem várias informações ao mesmo tempo. Fruto do novo estilo humano de viver.
 O word, versão moderna, ideal e extrática de bic-on-papel, me permite alterar o texto e trocar parágrafos, sem sujeiras, nem cestos de lixo repletos de bolinhas amassadas. Sento-me ao lado de uma colega de trabalho e, não raras vezes, falamo-nos por uma janelinha virtual com foto dela na praia. Claro que isso dá uma certa privacidade, mas não é por isso que teclamos quando poderíamos falar-nos.
 Agora, estou às voltar com a compra de um novo celular. E não me conformo em ter um que não possua câmera de pelo menos 1.3 megapixels, sons mp3, bluetooth e infravermelho.
 Bem, vou levantar a minha bunda quadrada, estalar os dedos compridos e tomar um bo café, porque esse, pelo menos, ainda mantém o sabor das primeiras produções feudais e as comodidades da vida moderna.
 Sim, caí na armadilha de trabalhar sentado. Sou um pequeno burguês, dono de nada, mas burguês que reclama de trabalhar sentados, que paga as contas pelo home bank e que fala um pouco de inglês para poder sobreviver. Mas tenho uma vantagem: um blog que aceita meu texto. E se não fosse ele, eu teria que levantar minha bunda quadrada e correr atrás de um editor ou de uma gráfica ou de vender poesia escrita à mão numa esquina cheia de gente de verdade, ai!

Jura Arruda

(Crônica retirada do livro Retratos Urbanos - páginas 107 e 108)

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