quinta-feira, 7 de maio de 2015

Vitrine Ambulante

 Um dito popular reza: Você é o que você come. Esse provérbio célebre e comum e repetido diversas vezes,principalmente,por vivermos em tempos de fast food e comidinhas instantâneas. Mas o que dizer se a sentença fosse: Você é o que você tem? Eis a frase que veio à minha mente depois de observar o comportamento das pessoas num shopping center da cidade.
 Entre tantas sacolas e compras aparentemente indispensáveis,lembrei-me de quando morava com minha mãe: primeiro,ela comprou uma faca elétrica,que nunca usou...Depois de reclamar muito da faca,comprou uma fritadeira para facilitar sua vida,afinal,muito melhor fritar batatas numa fritadeira do que no fogão. Ao utilizá-la umas poucas vezes,percebeu que era muito complicado mantê-la limpa e que gastava muita energia. Resumo da ópera: mais um eletrodoméstico inútil que descansará em paz no fundo do armário em companhia de tantos outros.
 Ainda no shopping,resolvo parar para almoçar e me deparo com uma cena inusitada: uma mulher bem vestida e muito magra,que aparentava estar ali em seu horário de almoço,desdobrava-se entre dar uma garfadinha em sua salada e atender o celular.Como se isto tudo não bastasse,o segundo celular que ela portava tocou e,numa manobra para conseguir falar num e atender ao outro,lá se foi o garfo para o chão e o seu colar,para um mergulho na salada.
 A cena me divertiu,confesso. O desfecho,caro leitor? Já deve presumir: fim do almoço e começo de minha reflexão: imagine você trabalhar toda manhã esperando apenas seu sagrado almoço e ter de comer uma rala saladinha? E ao procurar descansar a mente do trabalho,ter de ouvir dois telefones tocando ao mesmo tempo?
 Isto é o que se tornou São Paulo: uma vitrine ambulante de pessoas que cultuam o corpo como um templo,privam-se de uma almoço decente para aparentar mais beleza - ou magreza -,acumulando bens de consumo para parecer mais abastado ou privilegiado. Seria esse o legado desta nova geração?
 Não me tome por alguém ultrapassada. Acredito na tecnologia e nas vantagens que ela proporciona ao mundo moderno,mas atento para o fato de estarmos deixando para trás coisas simples e que nos tornavam pessoas mais felizes.
 Outro dia,levei meu sobrinho a um parque comum da cidade e me surpreendeu o encanto em seus olhinhos,vendo uma pipa voar pelo céu azul. O garoto ficou tão hipnotizado que simplesmente não queria ir embora. Gastou tanta energia brincando pelo parque que dormiu até o dia seguinte,e o melhor: quanto custou esse passeio? Pelo parque,nada,pela pipa R$ 2,50 e a promessa de voltar na próxima semana. Quanto custaria se eu o levasse a um shopping? Será que gastaria tanta energia? Minha irmã deu a ele vários brinquedos modernos,mas achou muita graça vê-lo se divertir com as tampas das panelas que ficam embaixo da pia.
 É lamentável,mas até as crianças de hoje participam ativamente dessa história. Já competem para ver quem possui o melhor celular,a melhor mochila escolar,gastam horas com vídeo-game,computador e televisão.
 O que escrevia nosso mestre Toquinho caso tivesse de compor uma música como compôs naquele tempo,a nossa querida Aquarela? Qual criança de hoje numa folha desenharia um sol amarelo [...] e o pinguinho de tinta que cai num pedacinho azul de papel? Ah! Que saudade de observarmos uma linda gaivota voar no céu. Talvez,nos tempos de hoje,Toquinho fosse obrigado a iniciar sua música assim: Numa homepage qualquer eu ctrl+c um sol amarelo...
 É isso,caro leitor. Aproveite a tecnologia para ampliar seus conhecimentos,desfrute do ar condicionado de um shopping center para se refrescar num dia de muito calor,mas não deixe que essas facilidades do mundo moderno o manipulem ao ponto de perder uma tarde de sol em nossa querida São Paulo,de ter o prazer de olhar seus filhos brincando num parque,fabricar carrinhos de rolimã,de ver uma pipa cruzar céu. Mude esse triste legado,não seja mais um manequim dessa cidade que se tornou,sim,uma vitrine ambulante.

Bibi Almeida

(Crônica retirada do livro Retratos Urbanos,páginas 99/100/101)

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